11/09/2011

O aprendizado


O aprendizado
Alfabetização precoce: mais um sintoma do desespero dos pais em criar um superfilho

O mercado editorial nunca produziu tantos livros para crianças em idade pré-escolar. Os anúncios das escolas de idiomas enfatizam a utilidade de matricular os filhos quanto antes. Por que não aos 4 ou aos 3 anos de idade? Segundo reza a cartilha tradicional de alfabetização, as crianças deveriam estar concentradas em aprender a ler e a escrever somente a partir dos 7 anos de idade. Mas, como se vê, há um bombardeio pesado no sentido de acelerar os ponteiros do relógio pedagógico.

A alfabetização precoce tem rendido um grande bate-boca entre os pesquisadores. Gente gabaritada chama a atenção para certo exagero na dose e começa a suspeitar que toda essa precocidade no aprendizado pode desajustar o relógio biológico do desenvolvimento infantil. Desde o começo do século XX, convencionou-se que os alunos devem aprender a ler e escrever a partir dos 7 anos de idade. Nessa fase, o cérebro da criança já desenvolveu habilidades como o poder de concentração e a coordenação visual e motora, entre outras. Está preparado, portanto, para absorver uma carga maior de ensinamento dentro da sala de aula. As escolas que subvertem essa regra argumentam que, hoje, o mundo e as crianças são muito diferentes. "Os alunos não são mais inteligentes que os de antigamente, mas chegam a escola mais cedo e estão expostos a uma quantidade maior de informações, o que aguça numa idades mais precoce sua curiosidade pelas letras", afirma E.P., diretora pedagógica de um dos melhores colégios de São Paulo. Segundo o raciocínio da diretora, não faria sentido "congelar"o desenvolvimento da criança durante dois anos se ela demonstra interesse pelos livros.

O novo sistema, de ler cada vez mais cedo, já é adotado em escolas da Argentina, da Espanha e, numa escala mais reduzida, da Inglaterra. Pedagogos dos Estados Unidos e de outros países do primeiro mundo, ainda não chegaram a um consenso sobre a conveniência da mudança. No Brasil, há uma divisão. A rede pública, continua seguindo a regra antiga, ou seja, alfabetização somente aos 7 anos de idade - idade obrigatória para o ingresso dos alunos no 1º ano do ensino fundamental. Já a maioria dos estabelecimentos particulares resolveu antecipar o aprendizado do bê-á-bá. As crianças de 5 ou 6 anos de idade não recebem cartilha, muito menos são obrigadas a fazer provas para comprovar seus serviços lingüísticos. O contato com o mundo das letras ocorre na forma de brincadeiras na sala de aula, como escrever com a ajuda da professora ingredientes da receita de bolo ou colar numa cartolina as letras iniciais do nome do papai e da mamãe. "Adoro gibis e já li cinqüenta livrinhos", conta M.K.C., que acabou de completar 6 anos de idade. Sua colega de classe M.P.C., da mesma idade, segue num ritmo menos avançado: até agora, devorou dez obrar infantis.

Segundo os especialistas, existe uma hora certa para a criança desenvolver cada habilidade. Esses períodos foram batizados de "janelas de oportunidades". Na área de alfabetização, os pesquisadores ainda não chegaram a um acordo. Os que defendem a manutenção do sistema tradicional, ou seja, aos 7 anos, lembram que ainda não há estudos comprovando possíveis benefícios da iniciação precoce. Além disso, o colega da escola pública que tomou contato com as letras aos 7 anos vai se desenvolver mais rapidamente nesse campo, anulando rapidamente a suposta vantagem da criança educada aos 5 anos de idade. "Nessa fase é importante deixar algum espaço livre na agenda da criança para que ela não faça absolutamente nada. E muito espaço para ela brincar", afirma A.T., neuropediatra de um dos melhores hospitais de São Paulo.

Os menos radicais não vêem grandes problemas no processo de alfabetização precoce, desde que seja guiado pelo bom senso. Em primeiro lugar, é preciso que os pais reduzam suas expectativas em relação a esse aprendizado. "Não há motivos para achar que uma criança é problemática, só porque um colega está mais adiantado", afirma o neuropediatra M.M., de uma das melhores universidades de São Paulo. Em segundo, não é preciso aparecer com um livro de gramática quando a criança surge com alguma dúvida. As questões devem ser respondidas na medida certa, assim como o estímulo à leitura - nada de comprar livros que tragam dificuldades maiores que aquelas com que a criança está familiarizada. Por fim, é importante discutir o assunto com a escola. Se os benefícios da leitura precoce são duvidoso, os problemas provocados por uma iniciação mal conduzida já começaram a aparecer nos consultórios pediátricos. Nesses locais, são cada vez mais comuns os casos de crianças que se queixam de dor de cabeça ou tem dificuldade para se expressar. Segundo os especialistas, são sintomas clássicos de stress causado pelo maior problema do processo de formação dos pequenos. É a superagenda, que contém escola, natação, inglês, computação e a exagerada cobrança dos pais em tentar garantir, desde cedo, um futuro melhor para os filhos.

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